Agora já não tenho vergonha, percebes? Mas durante anos não contei a ninguém, nem mesmo quando saí de casa e te deixei mergulhado no desespero de quem por fim se vê sozinho.
Ainda pensei em voltar, lembrava-me dos teus dedos suaves na minha nuca, das palavras bonitas que me sussurravas a chorar quando me pedias desculpa. Mas depois lembrava-me da violência, da prepotência, da injustiça, do medo de estar em casa contigo, do esforço para não chorar nem gritar, não fossem os vizinhos ouvir-me e saber que me batias, que não havia suficientes escadas nem portas onde eu caísse e batesse.
Lembras-te quando te disse que a minha irmã me tinha pedido para ir à praia para a ajudar a tomar conta dos miúdos, enquanto tu ias trabalhar, e de me dizeres que não eras nenhum balde de merda? De me dares um estalo no café do centro comercial porque não eras nenhum balde de merda?
Lembras-te de todas as outras vezes?
Mas agora já não tenho vergonha.
Agora já só lamento a sorte de quem te caia nas mãos, de quem escorregue no mel das tuas palavras bonitas, de quem acredite quando pedes desculpa e dizes que não voltará a acontecer, que é por gostares tanto que queres preservar o que tens.
E lamento-te a ti por seres um animal. Mas já não tenho vergonha.
Nota 2x3: Depoimento enviado por comentadora identificada. Não é a da foto (recortada de uma revista alemã). Não é de Óis da Ribeira. É para meditar.
1 comentário:
Será mesmo que não é de Óis o caso aqui exposto? E o marido não é daqueles que batem uitoi no peito?
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