Um dia decidimos ser cobóis e fomos até ao apeadeiro de Cabanões. A ideia era cavalgar de solipa em solipa, até onde nos levasse a força e a aventura. Aos tiros, pum, pum, pum...
Eu, o Beto, o Rex e a Rita. Andávamos sempre juntos. Penso que todos fomos namorados da Rita, mas nunca nenhum de nós namorou com a Rita. Mas gostávamos dela e pronto. Isso bastava. E ela gostava de nós...
Naquela tarde fomos até Cabanões e fomos... cobóis. Passou uma daquelas geringonças movidas por dois homens da linha que, à vez, a empurravam. Não sei o nome da engenhoca e não a sei descrever. Afastámo-nos, passámos o lavadouro, e fomos correndo pela linha- até ás portas do Casal, depois á volta pelo campo, até ao surpel, já era quase de noite...Corríamos mundo, sozinhos, transgredindo e sonhando viagens futuras.
Não tínhamos mais do que 10 anos. Talvez onze... Todos sonhámos a nossa história do futuro. Todos olhámos para o ribeiro e o rio e pensávamo-nos para além das suas águas. Todos percebíamos que sonhar assim estava na fronteira da transgressão.
Continuo a encontrar o Beto. O Rex está lá fora, raramente o vejo. Da Rita não sei notícias. Sonhava ser bailarina... Aposto que, ainda hoje, todos viajamos até àquela corrida de solipa em solipa, a galopar linha acima e linha abaixo, a jogar aos cobóis. Principalmente a Rita, que tinha o corpo desengonçado (como os cobóis) e umas botas pretas, em bico muito fino... sempre muito bem engraxadinhas, enquanto nós andávamos de chancas ou descalços.
Chamávamos-lhe a Rita das Botas Altas e aí... ela não gostava, corava, gritava... Dizia que nos punha de joelhos, de castigo, virados para a parede...
A Rita era alta e esguia, mais velha que nós, era a nossa namorada!!! Suponho que já é avó!!
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