terça-feira, setembro 24, 2019

Contas e eleições na voz de vate local...


A magna e conciliar sessão estava a andar nas calmas quando, intrépido e estremunhado, acordou um prezado consócio, meio descastigado pelo sono, da tantas contas ter feito e a fazer (de cabeça) e já até se ter perdido nos números, de tantos eles serem e tantas dores de cabeça darem.
Parecia meio azoratado e, com as ideia a zunirem-lhe os miolos, passou o nó do dedo indicador direito pelos olhos, esfregou-os e proclamou-se, quase de forma abrupta e apontando para a mesa presidencial:
«Proponho que abramos as mentes e as eleições intercalares. Já que isto não dá em anda a não ser prejuízos, vamos mas é para eleições, como fizeram os da Junta... e resolve-se o caso, isto é que no pode continuar assim!».
Disse e calou-se, esperando reacções e passando o leno d papale pelo suor frio que lhe caía pela face. Mas nada.
Os da frente, quais coriféus, fizeram de conta nada ter ouvido, moita carrasco..., e faziam outras contas, ou simulavam fazer outras contas, no ipad, cochichando entre eles, até trocando breves sorrisinhos entre eles, disfarçados, farisaicos.
«Eleições, eu acho bem..., avcho muito bem», ousou falar um prezado consócio, a mastigar chiclet e rodando a cabeça, à espera de comentários.
O presidente da magna e conciliar sessão, como qu´atónico, surpreendido...,  esbogalhou os olhos e interrogou-se e interrogou: 
«Eleições, mas para quê? Há candidatos, ao menos?....».
«Não há eleições para ninguém. Quem está no poder, essas iluminadas mentes da gestão social, essa doutorada toda, essa  gente que se aguente...», resmungou um dos prezados consócios, acrescentando: «Que limpem o tacho até ao fim e varram a testeira da porta».
O presidente do conselho executivo, com todo este concentradíssimo e ainda a fazer contas no ipad, interrompeu-as, cofiando a barba e proclamando:
«Eu não concordo com eleições intercalares, quais eleições, quais quê! Falei aqui com os senhores doutores das contas e... (cofiando a barba e... gaguejando) «somos muito bem capazes de ir até ao fim... e já temos capital de experiência neste modelo gestionário destes atípicos tempos».
«Eu não concordo... - retorquiu outro prezado consócio, acrescentando: «Não podem ser sempre os mesmos no bem-bom do gastanço da vacas que emagrecem».
«Isto já me cheia a compadrio, a nepotismo. São sempre os mesmos a esturrar a massa, para depois serem os mesmos a reequilibrarem a balança de pagamentos», vociferou outro prezado consócio. E disse, colérico quase de punho na mesa: «É ir mas é tudo para a rua, andor...».
A magna e conciliar sessão ganhou alguma balbúrdia, e faladuras altas e excitadas, quando interveio outro prezado consócio: 
«Isto de propor eleições intercalares é concorrência desleal, desculpem lá..., é oportunismo, é falta de respeito por quem, com prejuízo profissional, pessoal e até familiar, até familiar..., se dá de corpo e alma a estes prejuízos colectivos, servindo-os com verdadeiro e sacerdotal espírito de missão».
«Concorrência desleal? Eh pá..., eles que fiquem lá com os prejuízos todos, mas que os ponham no nome deles», proclamou outro prezado consócio, o do bigode, nervoso e a tossicar.
«Isto tudo é muito atípico, é uma traição institucional, um ataque ao nosso mandato legitimamente típico», atacou o mariano cofiador de barbas, vermelho como pimento maduro, em tarde de verão quente, sentindo-se agredido e ofendido nos seus princípios institucionais. Afinal, rematou, «quem é que tem o direito de gastar a massa, se não nós, que somos os eleitos?!».

Contas e mais contas
na voz do vate local

A conciliar e magna sessão terminou e não deu em nada, como era de esperar: nem em eleições intercalares e muito menos em demissões, já nem falando em contas positivas.
Essas, as contas positivas, são contas de outro rosário!
Já fora do areópago, um inspirado vate local, rimou sobre os acontecimentos:

Ser presidente, oh que maior ventura!
A de gerir e mandar e com vaidade,
Ser tão feliz que qualquer loucura
Me dará sempre contas de felicidade!

Gerir em tempo atípico é como tortura

E ter contas negativas na contabilidade.
É rejeitar ajudas ou a falsa caridade,
De quem, no fundo, é falsa ajuda pura!

Ser dirigente é como estar no paraíso

E ter as contas que qualquer doido tem
De ver no inferno as contas como paraíso...
As contas que não interessam a ninguém! 


Ai quem me dera ser doido também
P'ra suportar melhor quem tem juízo

E das contas que se fazem nesse prejuízo
Fazer delas contas positivas ! Amén!







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